[RELATO] Travessia da Cordillera Vilcanota – Circuito Ausangate – Andes peruanos – Julho/2014


Autor: Marcelo Motta Delvaux – Guia superior de montanha EPGAMT, guia associado AAGM / AAGPM 

A Cordillera Vilcanota é uma cadeia de montanhas localizada a sudeste da cidade de Cusco e não deixa nada a desejar em relação à famosa Cordillera Blanca. Com cerca de 100 km de extensão e picos de característica alpina, com alto grau de dificuldade técnica, oferece inúmeras possibilidades para a prática de montanhismo e trekking. O Circuito Ausangate disputa a fama de ser o trekking mais bonito dos Andes, se é que seria possível eleger algo desse tipo. Mas realmente é um roteiro fantástico e bastante exigente. Apesar de não oferecer dificuldades técnicas, é uma caminhada circular de aproximadamente 70 km, em torno do maior maciço da Cordillera Vilcanota, o do mítico Nevado Ausangate (6372 m), um dos principais Apus ou montanhas sagradas dos incas. Para fazer esse circuito é imprescindível estar muito bem aclimatado, porque boa parte do percurso encontra-se acima dos 4500 m e é preciso superar 2 passos de montanha de quase 5000 m, o Paso Arapa (4757 m) e o Paso Apacheta (4850 m), e outros 2 passos acima de 5000 m, o Paso Palomani (5165 m) e o Paso Campo (5068 m).

DSC02769 (Copy)É no glaciar do Nevado Ausangate que acontece uma das manifestações culturais e religiosas mais antigas e impressionantes dos Andes, cujas origens remontam à época pré-colombiana, a festividade do Señor de Qoyllorit’i. A festa foi incorporada ao calendário, e ao simbolismo católico, após a conquista espanhola, e atualmente mistura elementos cristãos com a religiosidade originária das comunidades quéchuas. É uma espécie de peregrinação, que recebe visitantes de várias partes dos Andes peruanos e tem como ponto culminante a escalada do glaciar pelos devotos, para extrair blocos de gelo que teriam propriedades milagrosas. Além da indescritível beleza da região, o trekking na Cordillera Vilcanota também permite o contato com as pequenas comunidades de língua quéchua que vivem no entorno do Nevado Ausangate, preservando um estilo de vida que se mantém inalterado há séculos.

                                                                                                                                                              O circuito é feito, normalmente em 5 ou 6 dias. Como eu estava sozinho, ou melhor, éramos somente eu e meu “cão-panheiro”, um cão pastor Chiribaya, raça originária dos Andes peruanos, e eu já estava muito bem aclimatado à altitude, acabei fazendo o percurso em 4 dias.

Cão

No primeiro dia saímos da pequena vila de Tinqui (3800 m), que fica às margens da rodovia transoceânica, que liga a Amazônia brasileira ao oceano pacífico passando pelos Andes peruanos. A abertura dessa estrada facilitou bastante a logística para quem deseja chegar à cordillera Vilcanota, já que a estrada que liga Cusco a Puerto Maldonado, passando por Tinqui, agora está toda asfaltada e em excelente estado de conservação. A primeira parte da caminhada é feita por pequenas estradinhas de terra, sempre subindo em direção ao nevado Ausangate até chegar à quebrada Upismayo e ao lugarejo conhecido como Upis. Nesse ponto as estradinhas dão lugar às trilhas e a paisagem vai ficando cada vez mais inóspita, na medida em que adentramos em terreno montanhoso.

As dimensões do nevado Ausangate impressionam. Com 6372 m de altitude, é a maior montanha de região e, como todo gigante desse porte, há uma ilusão de ótica que faz com que a distância do ponto onde estamos até a montanha se pareça curta. Porém, na medida em que caminhamos, temos a estranha sensação de que a distância não diminui, mas a montanha aumenta cada vez mais. E o clima de mistério se acentuava com o tempo ruim que fazia nesse primeiro dia, com espessas nuvens cobrindo a Cordillera Vilcanota que, de vez em quando se abriam, revelando as imensas paredes de gelo do nevado Ausangate.

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A quebrada Upismayo é bastante longa e ampla. Com muita água e coberta de pastagens, o local é repleto de llamas e alpacas. Aos poucos, o vale vai se estreitando e, após passarmos por Japata e sua águas termais, começa uma longa subida até o primeiro passo do circuito, o Paso Arapa (4757 m), situado ao lado da pirâmide de rocha do cerro Cayco Orjo.

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Após a travessia do Paso Arapa a paisagem muda drasticamente, com um terreno árido e de cor amarelo-avermelhada dominando o visual. A trilha desce por uma encosta que margeia um vale profundo, à direita. As nuvens, à esquerda, escondiam os contrafortes do nevado Ausangate mas, de tempos em tempos, dava para perceber a proximidade do glaciar e vislumbrar vários picos de impressionante verticalidade, como o Señal Nevado Extremo Ausangate (5800 m). Algum tempo depois a laguna Yanacocha já era visível, muitos metros abaixo. Apertei o passo, porque, provavelmente, iria começar a nevar em breve. Cheguei a um platô totalmente plano com grandes blocos de pedra que protegiam do vento e com água corrente bem ao lado. Perfeito! Montei rapidamente a barraca e, foi só terminar de me acomodar, que uma pesada nevasca começou a cair…

Acampamento

O segundo dia amanheceu bastante frio, mas com um céu azul impecável, revelando o que no dia anterior permaneceu encoberto: a grandiosidade do maciço formado pelo Nevado Ausangate (6372 m), com inúmeros picos secundários de grande beleza, como o Señal Nevado Extremo Ausangate (5800 m), aos pés do qual eu estava acampado. A primeira parte da caminhada foi marcada por uma sequência de lagunas: primeiro, dei uma passada pela Laguna Yanacocha, que se encontrava quase ao lado de minha barraca, mas fora da trilha que leva até a Laguna Uchuy Pucacocha, ao sul, para onde me dirigi após desarmar o acampamento.

No início da Laguna Uchuy Pucacocha há uma imensa cachoeira, ligando-a à próxima laguna, chamada Jatan Pucacocha, que se encontra ao lado do glaciar do Señal Nevado Extremo Ausangate. Depois da laguna a trilha começa a subir em direção ao Paso Apacheta (4850 m), de onde é possível avistar a Cordillera Vilcabamba e a pirâmide do Nevado Salkantay, à oeste.

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Após cruzarmos o Paso Apacheta (4850 m), uma longa descida leva até a quebrada Surapampa e a laguna Ausangatecocha. O caminho, então, volta a subir em direção ao ponto mais alto do roteiro, o Paso Palomani (5165 m). É uma longa e árdua subida, principalmente quando se leva uma pesado mochila cargueira nas costas. Mas a vista do Paso Palomani é absurdamente fantástica, com os inúmeros picos da Cordillera Vilcanota compondo a paisagem, e com o Nevado Santa Catalina (5808 m) e o Nevado Ausangate (6372 m) em primeiro plano. Outra longa descida leva até o acampamento base do Nevado Ausangate, onde montamos nosso 2º acampamento.

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O terceiro dia da travessia começa com uma leve descida desde o acampamento base do Nevado Ausangate até Pampacancha, um pequeno conjunto de casas de camponeses que preserva um estilo de vida tradicional nessa zona remota dos Andes peruanos. A vista do Nevado Santa Catalina (5808 m) e do Nevado Ausangate (6372 m) é, simplesmente, fantástica.

A partir de Pampacancha a trilha vai, aos poucos, tomando o rumo norte e, após uma subida mais forte, entramos na quebrada do rio Jampamayo. Estamos começando a fechar o circuito em volta do Nevado Ausangate: começamos “descendo” para o sul, tomamos a direção leste a partir da laguna Jatan Pucacocha, até o acampamento base do Ausangate e, agora, começamos a percorrer a porção oriental desse imenso maciço. E eis que surge, mais ao norte, outra montanha gigantesca, o Señal Nevado Pico Tres (6093 m), que faz parte do maciço do Nevado Collaque Cruz.

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A quebrada Jampamayo é longa, mas a beleza do lugar faz qualquer um esquecer as dificuldades do caminho. Após Jampa, outro lugarejo com algumas casas de camponeses, a trilha muda novamente de direção e toma o rumo noroeste, que nos permitirá completar o circuito em torno do nevado Ausangate e chegar até Tinqui, nosso ponto de partida. Mas, antes, é preciso vencer mais um passo de montanha acima dos 5000 m, o Paso Campo (5068 m). Mais uma árdua e infinita subida para chegar, na minha opinião, ao local com a vista mais espetacular de todo o percurso: os diversos picos dos nevados Collaque Cruz e Ccallangate parecem que estão “logo ali”, ao alcance das mãos. O nevado Ausangate também reaparece, mostrando sua impressionante face oeste. E as centenas de totens de pedras espalhadas ao longo do passo, para impedir que os maus espíritos o atravessem,  ajudam a criar um ar de mistério e contemplação mística.

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Após o passo é preciso descer pela quebrada Cayohuayjo em direção à laguna Cayacocha, onde é possível encontrar um lugar plano e água potável para montar o acampamento.

O quarto e último dia da travessia foi o mais tranquilo, apenas 5 horas de caminhada até Tinqui, fechando o circuito em volta do Nevado Ausangate. Saindo da laguna Cayacocha a trilha continua a descer até chegar à pequena vila de Calachaca, onde o caminho se transforma em uma estradinha de terra. Contrastando com o primeiro dia, o clima estava perfeito, permitindo uma visão completa da porção norte do macizo do Ausangate e do vale onde se encontra Tinqui, e por onde passa a rodovia Transoceânica, que cruza a cordilera Vilcanota em direção à região amazônica. Sem dúvida uma das caminhadas mais bonitas dos Andes!

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Deseja conhecer a Cordillera Vilcanota? Junte-se a nós! Temos uma nova expedição confirmada para agosto de 2015. Veja a programação detalhada e faça sua reserva:

Expedição à Cordillera Vilcanota – Circuito Ausangate – 2015

 

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